Medicamentos, trabalho, renda, dignidade são os temas de luta diária para pacientes com doenças hematológicas

Escrito por .

"Quando eu tomei a iniciativa dessa audiência pública, minha intenção, desde o começo, era trazer exatamente as pessoas que vivem a ausência, a omissão porque são elas que vão demonstrar a relevância do tema. A audiência é um mecanismo de a sociedade informar os problemas aos órgãos que tomam as decisões. É o momento que o procurador tem para ouvir", frisou o procurador do Trabalho Rodney de Souza sobre a importância de relatos de experiência de vida e da troca de informações trazidos por profissionais da saúde e expositores durante audiência pública "Doença Falciforme, Talassemia, Hemofilia e o Direito ao Trabalho".

Durante o evento, ocorrido em novembro, na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT), em Belo Horizonte, o procurador defendeu também que o tema seja tratado seja de forma a envolver outros parceiros institucionais visando inserção e permanência no mercado de trabalho, além da garantia dos direitos sociais de pessoas com doenças hematológicas.

Na mesma direção, a procuradora do Trabalho e vice-coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), Silvana Suckow, lembrou a importância de somar esforços para que trabalhadores que sofrem as dificuldades impostas pelas enfermidades hematológicas sejam contemplados por meio de cotas, tanto no mercado de trabalho quanto nos programas de aprendizagem profissional. "Foi muito proveitosa a audiência. Aprendi muito com todos os palestrantes e com as pessoas que vieram aqui e trouxeram a realidade de vida, as dores, as barreiras que elas enfrentam no mercado de trabalho", acrescentou.

"Doença falciforme? Temos que falar sobre ela. Eu acho que essa audiência pode ser um divisor de águas. Eu desconheço outra tão focada nesse tema", afirmou a procuradora federal adjunta dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) Eugênia Augusta Gonzaga, que entende ser possível debater alguns encaminhamentos, como a proposição de campanhas sobre doenças falciformes nos canais públicos de comunicação, a partir da audiência pública realizada pelo MPT.

Assistência - A procuradora explicou que o conceito de deficiência, previsto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, conhecido também como Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, abrange os casos mais graves da doença falciforme no sentido de assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos. "Hoje o conceito de deficiência não analisa apenas a limitação. Ele vê a limitação em conjunto com a vulnerabilidade social. No caso da doença falciforme, isso também é uma barreira que seria superada porque a vulnerabilidade pode até ser presumida em relação à população negra, que é destinatária de outras medidas afirmativas previstas em lei", acrescentou.

Expositores - A audiência reuniu especialista das áreas médica, jurídica, psicológica e atores sociais envolvidos na luta por direitos e qualidade de vida para pessoas acometidas por doenças hematológicas. Os expositores relataram sobre a luta na Justiça em busca de medicamentos e direitos, as consequências da falta de medicamentos para a vida social e profissional e pontuaram inclusive contradições que entendem que precisam ser revistas: "para tomarmos posse em concurso público, por exemplo, somos considerados incapazes, já na Previdência não conseguimos o benefício por sermos considerados aptos para o trabalho", explicou a presidente da Associação de Pessoas com Doença Facilforme e Talassemia do Estado de Minas Gerais (Dreminas), Maria Zenó. Com assistência médica adequada, introdução de tratamento no momento certo e uso contínuo da medicação adequada, a maioria dos pacientes conseguem levar vida normal, estudar, trabalhar, construir um futuro, defendeu a presidente da Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), Tania Maria Onzi Pietrobelli.

Relatos de emoção, dor, angústia, sofrimento, preconceito, discriminação e superação trouxeram à tona os obstáculos enfrentados por pessoas com doença falciforme ou aquelas que convivem com o problema na família. Vânia Darque Souza, mãe de uma jovem, contou que a filha foi diagnosticada com a enfermidade quando tinha apenas 20 dias de vida. Os primeiros sintomas surgiram aos 2 anos. Daí em diante, Vânia disse ter vivido uma rotina dentro de hospitais em busca de tratamento para filha, o que a obrigou a abandonar o emprego e a faculdade.

Apesar das dificuldades e do preconceito na escola, a jovem conseguiu se destacar ao conseguir uma vaga como jovem aprendiz na BHTrans, empresa que gerencia o trânsito de Belo Horizonte, e no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). "Hoje eu vejo na minha filha todos os meus sonhos. A profissional que eu não fui, com a faculdade que eu não fiz, Mesmo com a limitação, mesmo com a doença, valeu a pena", afirmou.

Imprimir