“Não podemos admitir tornar legal o que é ilegítimo, absurdo, imoral e inaceitável”

Procurador Helder Amorim participou da reunião
Procurador Helder Amorim participou da reunião
* Fonte: ANPT - Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho

A frase acima foi dita nessa quinta-feira, 14/05, pelo presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Eduardo de Azevedo Lima, em referência ao Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2015, que está em discussão no Senado Federal. O procurador participou, naquela Casa Legislativa, de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado que discutiu "A Lei Áurea, a terceirização e o combate ao trabalho escravo". O diretor de Assuntos Legislativos da ANPT, Helder Santos Amorim, também falou no evento, que contou ainda com a presença da diretora financeira da entidade, Ana Cláudia Monteiro, de outros membros do Ministério Público do Trabalho (MPT), deputados Federais, diversos senadores da República – inclusive o presidente, Renan Calheiros – , advogados, juízes, auditores-fiscais do trabalho, representantes de entidades de classe, da sociedade civil em geral, entre outros.

Logo no início de sua manifestação, Azevedo Lima lembrou que na véspera, 13/05, há 127 anos o Brasil aprovava a Lei Áurea, que trazia, pelo menos no plano formal, a abolição da escravatura. "Infelizmente, contudo, isso não foi o suficiente para mudar satisfatoriamente essa realidade de desrespeito à dignidade dos trabalhadores, não sendo demais lembrar que ainda hoje, quase 130 anos depois, encontramos trabalhadores em condições análogas às de escravos, com quase 50 mil deles resgatados somente considerados os últimos anos no nosso país. Até hoje, lamentavelmente, o trabalhador continua sendo tratado, em inúmeras ocasiões, como sendo um mero objeto, uma mercadoria, e, o que é pior, uma mercadoria descartável", ressaltou.

O procurador fez uma ligação dessa questão com a que está atualmente em discussão no Senado sobre o PLC da terceirização. De acordo com ele, o trabalho terceirizado em si ignora a dignidade do trabalhador, retirando o respeito à sua própria identidade.

Ele ressaltou, ainda, que os defensores do PLC alegam que a sua aprovação seria boa para aumentar a competitividade no Brasil. "Com todo respeito, isso é mera falácia. Certamente não condiz com a verdade. Mas ainda que fosse para isso, nós não poderíamos admitir que só se poderia discutir aumento dessa competitividade à custa do desrespeito de direitos mínimos dos trabalhadores. Certamente não é esse o modelo desenvolvimento econômico que se quer para o Brasil, à custa da precarização cada vez maior das relações de trabalho", frisou.

Azevedo Lima destacou pontos considerados por ele como muito importantes de serem destacados quando se fala em um projeto que, teoricamente, visa a regularizar a terceirização no país: a impossibilidade de ter terceirização da atividade-fim das empresas, a necessidade de se garantir a responsabilidade solidária dos integrantes da cadeia produtiva, a indispensável isonomia entre o tratamento dado entre os trabalhadores terceirizados e os contratados de forma direta e a necessidade de enquadramento sindical adequado, este último considerado para ele como "um direito necessário para viabilizar a conquista de direitos".

"Entendemos que a essência dessa malsinada proposição legislativa é extremamente precarizante. Não vemos como seria possível que meras e pontuais alterações ao seu texto viesse a tornar o projeto minimamente palatável, condizente com os direitos sociais, com os direitos humanos e com a dignidade dos trabalhadores. Por esse motivo, os membros do MPT de todo o Brasil fazem questão de dizer o seu não de maneira enfática, de maneira expressa, de maneira muito clara ao PLC 30, porque não podemos compactuar que se busque legalizar absurdos que já temos observado e combatido em nossa atuação cotidiana. Não há como se admitir que venha a se tornar legal o que é ilegítimo, o que é absurdo, o que é imoral, o que é inaceitável. Não, portanto, ao PLC 30, não ao desrespeito à dignidade dos trabalhadores, não à precarização cada vez mais crescente das relações de trabalho"", concluiu o presidente da ANPT.

Inconstitucionalidade

O diretor de assuntos legislativos da ANPT, por sua vez, afirmou logo no início de sua manifestação a posição do MPT pela inconstitucionalidade de qualquer iniciativa tendente a terceirizar a atividade-fim das empresas. "Qualquer tentativa legislativa voltada a terceirizar a atividade-fim fere frontalmente a Constituição da República em eixos fundamentais: o sentido e o conteúdo dos direitos fundamentais dos trabalhadores, na medida em que esvazia a eficácia desses direitos e fere a Constituição porque esvazia a função social da propriedade privada, simbolizada na propriedade nos bens de produção que é a empresa", disse.

Helder Amorim disse, também, que o MPT tem afirmado categoricamente que, independentemente da posição que se venha a adotar nos Tribunais Superiores quanto à questão da terceirização, "nós consideramos que o PLC já nasce ervado de violação direta à Constituição".

O MPT tem acompanhado com muita atenção o processo de expansão da terceirização nas atividades finalísticas das empresas e, segundo o procurador, é perceptível que esse processo está voltado a duas finalidades básicas. A primeira seria desqualificar o mercado de trabalho e a segunda consiste em desmobilizar a organização sindical.

Esse processo de expansão da terceirização impacta profundamente de forma negativa nos direitos sociais garantidos constitucionalmente aos trabalhadores. "Por isso entendemos que o PLC 30, quando prevê a terceirização nas atividades finalísticas, é um projeto que remete à logica de escravidão", destacou.

Para o diretor de assuntos legislativos da ANPT, a escravidão tem a lógica de desconectar o trabalhador do seu trabalho e o resultado do trabalho na escravidão é a expropriação do homem trabalhador, que passa a ser tratado como objeto de propriedade do terceiro. "Todas as vezes em que se tenta dissociar o homem trabalhador do resultado do seu trabalho, transformando esse trabalho em mercadoria, está-se impondo a mesma lógica da escravidão. Portanto, nesses 127 anos de abolição da escravatura, observamos que nós ainda não conseguimos abolir a lógica da escravidão que permeia as relações de trabalho no Brasil", afirmou.

Ele disse ainda que o PLC 30 é uma iniciativa de caráter e de ideologia escravocrata, porque tenta dissociar o trabalhador daquilo que lhe é mais caro, que é o trabalho como instrumento de dignificação. Esse trabalhador terceirizado, de acordo com Helder Amorim, é arremessado de uma empresa para outra como migrante. "Ele é exilado numa empresa que não é sua, porque não tem empresa, ele é um homem sem pátria", lembrou.

"Os escravocratas não têm compromisso sequer com a vida e com a saúde dos novos escravos. Porque ele terceiriza a vida, o meio ambiente e se apropria apenas do resultado do trabalho. Nossa fala, então, é para lembrar que se a escravatura foi abolida, a sua lógica está longe de ser eliminada e a organização social certamente ensejará a rejeição desse e de outros tantos projetos que têm a norma da escravatura em sua gênese", enfatizou.

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