Ninguém esquece um desastre em curso permanente

O que não pode ser esquecido no caso do rompimento da barragem
da Vale S.A em Brumadinho e como foram aplicados os R$ 400 milhões pagos pela empresa na esfera trabalhista pelo dano moral coletivo causado

Nesta quinta-feira, 25, completam-se 5 anos do colapso da barragem da Mina de Córrego do Feijão, da mineradora Vale S.A, no município de Brumadinho. O grave acidente tirou a vida de 272 pessoas, 250 empregados diretos ou indiretos da Vale S/A e 22 pessoas da comunidade ou turistas de Brumadinho. Três pessoas ainda estão desaparecidas. Em seis meses, de janeiro a junho de 2019, a atuação do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG), para buscar reparação aos danos causados aos trabalhadores, foi concluída com um acordo para indenização individual e coletiva. Leia a seguir como está sendo feita a aplicação do dano moral coletivo fixado em R$ 400 milhões e o que não pode ser esquecido no caso Brumadinho, na visão dos integrantes do Grupo Especial de Atuação Finalística do MPT (GEAF-MPT).

Um dos pontos mais discutidos nos meses que seguiram ao acidente foi a imprevisibilidade de suas repercussões tanto em amplitude, quanto em espaço temporal. É o que vem se confirmando ao longo dos anos. "A amplitude deste acidente, que resultou na morte já confirmada de 250 trabalhadores no ambiente de trabalho, o coloca na posição de maior acidente de trabalho registrado no Brasil. Para especialistas, um "acidente ampliado", é aquele em que: "as consequências da tragédia na vida e na saúde física e mental dos familiares dos trabalhadores mortos, e dos trabalhadores que, por sorte, sobreviveram à tragédia, são inestimáveis, exponenciais e continuadas", enfatizou o juiz Ordenísio dos Santos, em uma das sentenças que proferiu no caso.

"Na minha opinião, em primeiro lugar, o que não pode ser esquecido nunca é o elevado número de mortes. São 272 mortes, 272 joias que morreram neste grave acidente. Isso nunca pode ser esquecido e o que não pode ser esquecido para o setor da mineração, e, também todos os outros setores da nossa economia, é a necessidade de uma atuação mais firme do poder público e a necessidade de os empreendedores focarem na prevenção, isto tem que ser o ponto principal que não pode ser esquecido por parte dos empregadores. A prevenção tem que ser objeto de grandes investimentos, mediante contratação de auditorias qualificadas, que possam indicar todas as medidas capazes de evitar ocorrência de acidentes de trabalho tão grave como este que vai ficar para sempre na memória dos mineiros e de todo o Brasil", defende a procuradora do Trabalho Sônia Toledo Gonçalves (GEAF-MPT).

A negligência com a prevenção não é motivada por ausência de normas, enfatizam os procuradores e procuradoras do Trabalho que integram o Grupo Especial de Atuação Finalística em Brumadinho (GEAF-MPT): "existe todo um arcabouço jurídico brasileiro sobre segurança nas atividades minerárias, incluindo barragens de rejeitos, como as convenções 174 e 176 da OIT, ratificadas pelo Brasil, a lei 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, além da NR-22 do então Ministério do Trabalho".

A procuradora do Trabalho Luciana Coutinho (GEAF-MPT) enfatiza que a origem da tragédia jamais pode ser esquecida. "Temos que aprender com essas tragédias para tentar evitar que novas ocorrências semelhantes aconteçam. A causa disso foi uma negligência com as condições e o meio ambiente de trabalho. Então nós temos que ter, todos enquanto sociedade, sistema de justiça... uma atenção e vigilância constante com o poder público, mas também com o setor privado empresarial para que todos cumpram obrigações trabalhistas que geram um ambiente de trabalho mais salubre, menos perigoso, que não exponha os trabalhadores, as trabalhadoras a risco de morte, risco a sua integridade física, risco a sua saúde mental. Eu acredito que isso não pode ser esquecido."

A dimensão do grave acidente motivou a instauração de processos comunicacionais também ampliados, que foram muito além da mera prestação de informações e colocaram a escuta dos atingidos em protagonismo, como descreve Luciana Coutinho: "a interação e a oitiva das vítimas foi uma meta perseguida pelo grupo de procuradores e procuradoras, pelo GEAF que atuou no caso. De buscar essa oitiva qualificada de forma horizontal. Todas as assembleias, e as reuniões que fizemos com os sindicatos, com os familiares; a criação de um grupo de WhatsApp para poder ter uma interação mais rápida com essas famílias. O atendimento à telefonemas, a troca de e-mails, tudo isso foi muito importante. Sobretudo, essas assembleias públicas realizadas na Câmara municipal de Brumadinho, onde além de dar as orientações e explicar o caso para aquelas pessoas diretamente atingidas, os familiares dos trabalhadores e das trabalhadoras mortos, nós também ouvíamos muito e considerávamos a opinião dessas pessoas. O próprio acordo judicial que foi firmado nesse caso na ação civil pública foi aprovado em uma dessas assembleias ocorridas na Câmara municipal de Brumadinho".

 

A gestão do dano moral de R$ 400 milhões pagos na esfera trabalhista

O valor total da indenização pelo dano moral na esfera trabalhista, de R$400 milhões, pago integralmente pela Vale S.A, em agosto de 2019, já foi revertido em benefício das diversas comunidades afetadas, ao longo do curso do Rio Paraopeba. Ao todo, já são 128 projetos contemplados. "Restam a ser destinados R$ 80 milhões referentes à correção monetária acumulada ao longo dos anos. Inicialmente, em função da pandemia provocada pelo novo coronavírus, valores expressivos foram destinados para reestruturação de unidades hospitalares de Belo Horizonte, Brumadinho e região do vale do Rio Paraopeba, construção de UTIs para receber os pacientes com Covid. Essa aplicação deixou um grande legado para essas comunidades usuárias do SUS. Logo em seguida, o comitê priorizou o combate à fome em decorrência da própria COVID que, como sabemos, ocasionou o empobrecimento da população. Então, vários projetos foram aprovados e destinados a entidades que já atuam e têm expertise no combate à fome das comunidades atingidas. O Comitê Gestor também deliberou aplicar o recurso em projetos relacionados à qualificação de trabalhadores, em geração de trabalho e renda, em contrução de Hospitais, lazer, cultura, esportes, preparação de jovens para inserção no mercado de trabalho, dentre outros", descreve a procuradora do Trabalho Sônia Toledo Gonçalves (GEAF-MPT).

A gestão da verba é feita por um Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo (DMC), integrado por representantes do GEAF Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública da União, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região e da Associação dos Familiares de Vítimas da Barragem Mina Córrego Feijão de Brumadinho (AVABRUM).

 

 

"A atenção às vítimas, entendemos que é uma referência importante para casos futuros", avalia a procuradora do Trabalho Ana Cláudia Nascimento (GEAF-MPT). "Isso já vem numa linha doutrinária e nós fizemos com muita atenção. Tivemos o cuidado de discutir os termos do acordo diretamente com as vítimas, de uma forma prévia, de forma a entender e escutar o que é que eles estavam querendo. E isso tem sido uma permanente dentro da atuação do Ministério Público do Trabalho neste caso, inclusive na reversão do dano moral coletivo com a participação direta da sociedade civil, por intermédio da Avabrum no Comitê Gestor do Dano. Então acho que a presença da vítima de forma coletiva é muito importante, ela tem que ser ouvida".

"Entendendo que a indenização foi oriunda de um dos "maiores acidentes de trabalho do Brasil", (a AVABRUM sempre defendeu que não é um acidente, mas sim um crime), o Comitê Gestor do DMC permitiu que o direcionamento destes recursos tivesse uma escuta ativa das famílias diretamente atingidas. A AVABRUM sempre defendeu que os projetos viessem para a região atingida, nem sempre nosso voto é o conclusivo, pois temos apenas um voto, mas a associação é ouvida e respeitada dentro do Comitê Gestor", descreve a presidente da Associação Andresa Rocha Rodrigues e mãe do Bruno Rocha, uma das vítimas do desastre.

"A destinação para ações de enfrentamento à Covid-19, chegou a R$38 milhões divididos entre 11 municípios em 2020, momento mais crítico da pandemia, incluindo a capital Belo Horizonte, usados para a compra de respiradores, construção de leitos de UTI e ambulâncias", destaca o procurador do Trabalho e coordenador do Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF-MPT), Geraldo Emediato de Souza. "Fizemos um termo de cooperação com a UFMG para fazer um diagnóstico com o que seria necessário para a região. Então, esse diagnóstico nos apresentou diversos projetos importantes, que foram trazidas a partir da oitiva dessas famílias, dessas pessoas atingidas", assim, outras destinações possibilitaram a compra de equipamentos para identificação de corpos para a Polícia Federal de Minas Gerais, compra de viaturas para a defesa civil, construção de um complexo esportivo com ginásio e campo, doação de recursos para instituições que prezam pela segurança alimentar e a construção de um pórtico de autoria de Oscar Niemeyer na entrada principal de Brumadinho.

O Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, foi um dos beneficiados com uma destinação que possibilitou a reativação do centro de Nefrologia. O número de cadeiras passou de 56 para 70, ampliando a capacidade de atendimento de 336 para 420 pacientes, anunciou o hospital. "Ampliar e revitalizar o centro de Nefrologia era um sonho antigo da instituição. Os pacientes ficam por horas nas cadeiras de hemodiálise e o tratamento se estende por anos e anos. Pacientes e profissionais mereciam um espaço revitalizado e mais humanizado", explicou Tereza Guimarães Paes, diretora-presidente da Fundação Benjamim Guimarães / Hospital da Baleia.

A presidente da Avabrum destaca que os projetos que "fazem nossos olhos brilhar, seja pelo impactos na vida das pessoas, pelo acesso a saúde e ou geração de empregos: o projeto Joias Presentes em Mario Camposque visa a capacitação de jovens e adultos no uso de ferramentas tecnológicas, comunicação; o projeto da Acamares, em Sarzedo que trouxe treinamento e maquinário para catadores de lixo; o projeto do Hospital Icismep - 272 Joias, em Igarapé, que amplia os atendimentos médicos na região de Brumadinho, Mario Campos, Sarzedo, São Joaquim de Bicas e vários outros municípios da Bacia do Paraopeba. O projeto social Joias, Transformando pelo Abraço e Promovendo a Vida, em Mário Campos, que trabalha com crianças, adolescentes, jovens e a melhor idade oferecendo aulas de música, artesanato, esporte, dança e informática. É um projeto de encantar os olhos e brilhar o coração".

Uma parte do dano moral foi destinada ao combate à fome, que teve aumento exponencial em Belo Horizonte, durante a pandemia. Ao todo, o Projeto Comunidade Viva sem Fome recebeu mais de R$ 17 milhões em três destinações de R$ 11.588.820,00, R$ 5.223.120,00 e R$ 500.000,00. "O projeto surgiu para atender a necessidade urgente de segurança alimentar durante a pandemia, situação de precariedade alimentar que persiste e aumenta nos dias de hoje. Mensalmente, estavam sendo distribuídas, em 2020, 6.500 cestas na RMBH e 2.500 cestas no Vale do Paraopeba", explicou à época a coordenadora do projeto Emanuela São Pedro. O Viva Sem Fome é executado pela Agência de Iniciativas Cidadãs e pela Cáritas Brasileira.

 

 

 

Memória do caso

"Em 24 horas, no dia 27 de janeiro, estávamos com o primeiro pedido liminar apresentado à Justiça do Trabalho em Betim, pedindo, em ação cautelar, o bloqueio de R$ 1,6 bilhão das contas da empresa Vale S. A, para garantir às famílias, além de indenização futura, pelo dano moral e material, a manutenção do pagamento dos salários dos trabalhadores desaparecidos após o rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) na última sexta-feira (25). Além disso, manter o pagamento dos salários dos trabalhadores resgatados com vida", explica o procurador Geraldo Emediato de Souza que assinou a ação cautelar juntamente com a procuradora Elaine Nassif, os primeiros a atuar no caso. Alguns dias depois, para lidar com a dimensão e a emergência do desastre, o MPT constituiu imediatamente um Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF), inicialmente composto por sete procuradores e procuradoras de Minas Gerais e de outros estados. Atualmente o GEAF-MPT é composto por cinco profissionais do MPT em Minas, as procuradoras Ana Cláudia Nascimento, Luciana Marques Coutinho, Sônia Toledo Gonçalves e os procuradores Geraldo Emediato de Souza e Aurélio Agostinho Verdade Vieito.

"A ação civil pública, com todos os pedidos de reparação de dano individual e moral, foi ajuizada no dia 25 de março de 2019, após a realização de audiências públicas na Câmara Municipal de Brumadinho, onde fizemos a escuta dos moradores e explicamos todos os detalhes do caso, as possibilidades de reparação, foram momentos em que estivemos frente a frente com os atingidos, acolhendo as dúvidas deles também", lembram os integrantes do GEAF.

No dia 15 de julho de 2019, menos de 6 meses após o ocorrido, foi assinado o acordo entre o MPT-MG, Sindicatos profissionais e a Vale S.A, estabelecendo obrigações que a empresa assumiria para reparar o dano moral e material. Uma indenização de R$400 milhões foi aplicada por dano moral coletivo, além do pagamento para restauração da renda mensal das famílias de trabalhadores falecidos, sendo estimado o valor total de R$1,7 bilhão destinados à reparação da tragédia. "Esse acordo é fruto do diálogo efetivo entre as famílias e o MPT por meio de assembleias realizadas na Câmara Municipal de Brumadinho a cada etapa da ação civil pública (ACP)", destaca o coordenador do GEAF-MPT, Geraldo Emediato de Souza.

 

Você pode saber mais sobre a atuação do MPT-MG no caso Vale S.A / Brumadinho acessando a Revista Digital "Do Desastre ao Acordo MPT x Vale S.A exclusiva sobre o caso ou a página no site no MPT: Em dia com o caso Vale S.A Brumadinho.

Reportagem: Lília Gomes e Mateus Monteiro

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