“Não quero continuar sendo escrava”, desabafa doméstica explorada por 40 anos

TAC firmado com MPT assegurou a transferência de propriedade de imóvel da família como parte de indenização

Belo Horizonte (MG) – "Não quero continuar sendo escrava de ninguém". Esse desabafo dá uma noção do sofrimento de uma mulher submetida a condições análogas à de escravo, por cerca de 40 anos, em uma residência em Belo Horizonte/MG. A vítima vem sendo atendida pela rede de proteção há alguns meses, já recebeu os débitos trabalhistas e agora, como resultado de acordo via termo de ajustamento de conduta (TAC), firmado perante o Ministério Público do Trabalho (MPT) foi concluída a transferência de um imóvel de propriedade da família para a trabalhadora, a título de reparação pelo dano moral.

"Humilhações, alimentação diferenciada, jornada exaustiva com trabalho inclusive nos finais de semana, lamentavelmente, compõem a história de vida de Dona Maria, resgatada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), após denúncia", relata a relata a procuradora do Trabalho Florença Dumont.

Dentre as reparações pleiteadas para o caso, estava a transferência de um imóvel de propriedade das ex-empregadoras, medida que foi concluída recentemente, como explica a procuradora do Trabalho Florença Dumont: "os herdeiros já haviam abdicado da posse e da propriedade do imóvel em favor da vítima", que "continuou residindo no local, aguardando, todavia, a transferência definitiva", que esbarrou no pagamento Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD) e exigiu atuação judicial do MPT. Recentemente obtivemos decisão favorável quanto à isenção do pagamento do imposto e foi concluída a transferência do imóvel.

"O direito a uma vida livre não é algo que possa ser reparado, no entanto, medidas como a transferência do imóvel e outras tantas que foram viabilizadas no caso, a título de reparação, representam algum (pequeno) grau de justiça e alertam a sociedade sobre condutas que representam afronta gravíssima aos direitos fundamentais da pessoa humana", relata a procuradora do Trabalho Florença Dumont.

Dentre as reparações alcançadas para a trabalhadora está também o direito ao recebimento do benefício previdenciário, obtido pela Defensoria Pública da União, a partir de demanda encaminhada pelo MPT.

Saiba mais sobre a história - Em depoimento que integra as provas da investigação, a doméstica relata que "nunca recebeu dinheiro algum pelos serviços prestados", além de "nunca ter tirado férias". Quando tentou cobrar a dívida, uma das patroas "ficou brava" e disse que "a consideravam como pessoa da família, e que lhe passaria, como compensação pelo trabalho, um dos barracões contíguos à casa, de sua propriedade". Ficava à disposição das empregadoras 24 horas por dia, 7 dias por semana, com início de jornada por volta de 7h da manhã e encerramento por volta de 20h30. Com o envelhecimento da patroa passou a ter que lhe prestar assistência até por volta de 23 horas e, se necessário, levantar-se durante a noite para ajudá-la.

Embora tivesse como única contrapartida pelo trabalho prestado a moradia e a alimentação, com o passar dos anos, a alimentação também passou a ser diferenciada e limitada, relatou uma outra testemunha do caso: "a empregadora passou a racionar as refeições da empregada, lhe fornecendo apenas o básico e que vários alimentos adquiridos pela patroa, como carne, frutas, iogurte, eram para seu uso exclusivo. Assim, "a empregada se alimentava de forma diferenciada, comendo apenas o que a patroa lhe fornecia", em algumas ocasiões apenas arroz e feijão.

Ainda na juventude, a empregada teve um bebê que foi entregue para adoção pela empregadora, logo após o nascimento. Ela mal tocou em seu filho e nem se lembra mais o ano em que foi vítima dessa violência, mas, se recorda do dia em que nasceu o seu menino e conta que "nem chegou a dar o nome a ele", pois no dia da saída do hospital "uma enfermeira o levou embora", por ordem da patroa e contra a sua vontade: "nunca mais teve notícias do seu filho", lamenta.

 

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